quarta-feira, julho 27, 2016

“Gavetório”


Demorei, sim, qual a novidade? Os processos tendem a demorar para chegarem aos seus devidos fins na mesma medida em que a complexidade deles aumenta. Eu sou um acumulador nato, acumulo coisas físicas, digitais, emocionais e certamente mais um monte de outros acúmulos que ainda não estou pronto para perceber. Essa maneira pela qual as coisas vão se revelando com o passar do tempo é o único sentido racional que encontrei na vida, aprender, aprender e aprender um pouquinho mais.
Tenho déficit de atenção e sou dispersivo e a prova maior é que já estava desviando do quanto demorei para perceber que sou acumulador. O acúmulo de coisas físicas foi apontado pelas duas companheiras que tive. Já o acúmulo digital as pastas e pastas com dvd’s de backup nunca consultados revelaram. Estou trabalhando duro nisso. Cada objeto que me desfaço diminuí a minha bagagem, transformado as mudanças menos dolorosas. Sim, eu sofro horrores com mudança, e gosto tanto que a dor vem por antecipação.
Nem tudo são flores, assim como também nada é por inteiro. Talvez por isso os antigos falavam com certa sabedoria, que, quem guarda o que não presta, tem quando precisa. O mais complexo tende a ficar para depois. Nesse caso, o acúmulo emocional. Tenho claro a importância da memória. Lembrar com carinho de bons momentos vividos ou para não repetir erros passados. A memória serve como um grande filtro, um fusível que protege o sistema de danos maiores.
A danada da memória é complexa. As coisas boas são fáceis de lidar, porém as experiências negativas podem gerar traumas e carmas podendo complicar bastante a estada aqui. Quando comecei a pensar no acúmulo emocional a imagem que me veio foi a daqueles arquivos antigos, cheios de gavetas. Para cada gaveta uma memória. Muita memória, muitas gavetas. Mas, aí surgiu um outro complicador, as memórias teriam pesos diferentes. Dependendo do tipo de memória o arquivo pode ficar muito pesado dificultando uma possível mudança. Escutei de mais de um Baiano num período que estive em Salvador a seguinte frase: Segue em frente, não olha para trás. Essa frase me causou estranhamento por um longo período. Como esquecer o que vivi, como perder os filtros, o combustível? Mas não era esse o sentido, a intenção da sentença, mas sim o de não deixar o passado virar uma corrente, uma âncora.
É complexo manter a memória de uma experiência livre dos traumas. Me veio a imagem da necessária limpeza das gavetas. A importância de ficar leve para uma melhor locomoção e melhor transito pela vida. Disso nasceu a determinação de a partir dai colocar fora todo o peso desnecessário. Um eterno ritual de velórios de gavetas, os gavetórios.
E claro, a cada velório uma ida ao bar beber o morto.

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