sábado, agosto 26, 2006

Adios pampa mio!


O calor é insuportável, as notícias assustam: a maior seca do novo século, El niño implacável... Os efeitos da monocultura, o desrespeito às margens dos rios e nascentes, o uso indiscriminado de agrotóxico, os dejetos lançados aos rios sem tratamento, o efeito estufa, lixo que escorre pelos bueiros, o descaso das autoridades e muitas outras tantas façanhas em nome do progresso levam a natureza a apresentar a conta. No Taim, mais uma vez a falta de respeito às normas de transito e a má sinalização tem levado milhares de ornitorrincos e ednas à morte, quando saem em busca de água. Coalas mortos são encontrados aos bandos à volta de lagos do mais puro Roundap. Salasier Martins, de volta ao trabalho após o longo período de congelamento, brada aos costumes no telejornal: “Até quando o descaso das autoridades levará à morte milhares de bichinhos inocentes”. Os lençóis freáticos secaram, a terra é árida. O deserto verde é a vedete dos desinformados e dos sofistas. As grandes plantações de eucaliptos são ocupadas por máquinas e coalas corsários que devastam as plantações em busca de pastilhas Valda legítimas. O caos está estabelecido. Milhares de populares revoltados, em estado de mais pura miséria, acampam na entrada das grandes plantações de eucalipto em busca dos empregos prometidos pelos políticos e empresários. As pessoas perguntam se não há trabalho, não há comida qual é a finalidade de tanto papel higiênico, guardanapos e afins produzido a partir da madeira do eucalipto que acabou com parte de nossa identidade cultural: o Pampa Gaúcho. Vamos convir, como faz cocô esse pessoal do primeiro mundo, ainda mais se for num país de terceiro mundo qualquer, onde sempre haverá um Abelardo I aplicando a Lei de Gerson a qualquer custo.


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Brasil de fato


Adital


Deserto verde org


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terça-feira, agosto 22, 2006

Who’ll Stop The Rain???


Inundações, desabamentos, maremotos, afogamentos... São muitas as coisas ruins a que nos remete a chuva. O contra-ponto é a chuva da lavoura, a que abastece rios e represas, a da diversão de criança, a da antológica cena de “Dançando na chuva”, com Gene Kelly e Debbie Reynolds, pra ficar no que me vem rapidamente à memória. Mas a minha admiração maior em relação à chuva está no mito. A chuva está presente em muitos mitos de fertilidade e passagem. A chuva é renascimento e vida nova. Na tragédia grega ela marca o início de um novo ciclo. Na cultura Inca, somada a lua, representava purificação. Para os indianos, mulher fecunda é chuva. Na Bíblia, em Isaías, 45, 8 está dito: “Que os céus, das alturas derramem o seu orvalho, que as nuvens façam chover a vitória, abra-se a terra e brote a felicidade e ao mesmo tempo faça germinar a justiça!”.

A conotação popular traz em si miséria, sofrimento, falta de sorte. E quando pão e circo é apenas uma expressão do passado, acaba reforçando aquela sensação de impossibilidade, da ausência de melhor perspectiva e conspiração divina que acompanha o inconsciente popular. O que vem a ser a alegria da elite e dos que comungam em ideologia. No velho Marx está dito de forma mais rebuscada que a alegria de um é a desgraça de outro.

Quando a chuva veio pela primeira vez, a primeira coisa que me veio à cabeça foi renascimento, mas com medo da conspiração divina, calei-me. Na segunda vez que a chuva surgiu, estava tomado de pânico, pois afinal, a história poucas vezes favoreceu o povo. Mas enfim, os mitos não estão aí à toa e o colorado sagrou-se campeão, com muita batalha e com muito sofrimento, fazendo jus a toda e qualquer conquista de alguém do povo. E a lua surgiu no céu.

domingo, agosto 20, 2006

Histórias de Babel : O jogo sem fim


Era um típico domingo modorrento de inverno em Porto Alegre. As nuvens pintadas de chumbo, indiferentes as caricias do minuano, conduziam impiedosamente para a introspecção. Lembrou-me a Náusea. O estádio Ramiro Souto, no Parque da Redenção, estava preste a entrar para história. Contaria, ao menos uma vez, a história dos sem-história. Havia todas as coisas necessárias a uma final de várzea: disposição, entusiasmo, dedicação, torcida, churrasqueiras feitas de meio tonel, samba, camisas de golas puídas e muita animação. Os times já estavam em campo, e com a bola rolando zagueiro e avante de times opostos - jogadores da mesma faixa de campo-, mediam-se lado a lado fazendo inveja à memória das falecidas torres gêmeas. Não era somente o dia de saber quem seria o campeão, era também o dia em que Sérgio, filho do Sampaio, iria aproveitar-se de um dos poucos momentos em que Paulão forçosamente baixava a guarda e deixava sua irmã Rosinha desacompanhada, embora Paulão tenha se empenhado muito em tentar convencer os demais companheiros de equipe da possibilidade dela fazer uma excelente dupla de zaga com ele. Uma partida de várzea de verdade é um evento social, muitas vezes, até mais do que esportivo. Era um jogo de alma gaúcha, viril, porém limpo. As equipes não tinham chegado até ali sem méritos, equivaliam-se. A prova contundente foi o término do tempo normal em 3x3 e 1x1 na prorrogação. O jogo dirigiu-se a dramática loteria dos pênaltis. Sérgio encontrou a reciprocidade de Rosinha ao levar a cabo seu plano traçado nas madrugadas mal dormidas. A paixão e o amor, quando dispostos, são carrascos sem pares. Muitos torcedores, empanturrados de cerveja e churrasco, já haviam esquecido o motivo original de sua ida até ali e o samba ficou animado. Deixa a vida me levar. Já com o fim da tarde de pouca luz, iniciou-se a cobrança das penalidades. Os dois times ficaram alinhados na linha divisória do gramado, extremamente extenuados, cada um daqueles anônimos teve, além das noites mal dormidas por força da ansiedade da partida decisiva, seus dias de labuta atrás de uma direção de caminhão, carrinho de pedreiro, balcão do comércio, roleta de ônibus. Restou rezar a Deus pelo sucesso desta pequena grande façanha. Porém, é o mesmo Deus de todos os presentes e, na melhor forma de seu bom humor característico, atendeu a todos, menos os goleiros, e nenhuma bola foi desperdiçada. Os torcedores aos poucos se foram. Já era meio da tarde de segunda-feira quando o administrador do parque, atendendo a solicitação de um professor de educação física do Colégio Militar, pediu que o campo fosse liberado para a aula marcada, transferiu a cobrança das penalidades para o campo suplementar de areia. Camila, a primeira das três filhas de Rosinha com Sérgio, vai debutar no próximo final de semana sem poder contar com a presença do tio, que segue ainda lá defendendo o brio dos comuns. Se você tiver a oportunidade de passar por ali observe aqueles senhores que mais parecem sobreviventes dos farrapos jogando ao fundo. Sim, são eles mesmos.

As páginas da vida


Aqui estou eu, em frente à tv, assistindo novela ao mesmo tempo em que digito este texto. Não façam pré-conceitos, novela é o ícone da cultura pop que mais me agride, motivo pelo qual não assisto desde o início dos anos 80. O que faço eu aqui então? Bem, depois de uma determinada idade as coisas ficam mais complexas e as histórias mais compridas, mas nem por isso menos interessantes. Uma das coisas boas da memória são as boas lembranças. Recordar é viver é saudosista e estático demais pra mim, já, recordar é viver o hoje melhor, se encaixa melhor a minha maneira de ver as coisas, embora isto já esteja mudando o rumo do assunto. Poder ter participado, acompanhado a trajetória de alguém, é uma das coisas que enriquece a sua vida, poder, pela exemplificação, apropriar-se do conhecimento vivido na experiência alheia. Vou ater-me num exemplo composto de vontade, determinação, competência e dedicação. José era um menino tímido e franzino, até mesmo pra mim é difícil imaginar um leonino tímido e franzino, mas as coisas mudam. Entre travessuras de moleque e as responsabilidades cotidianas - aqui vem um lapso de memória - ele comprou ou ganhou um violão. A música como maneira de expressão passou a fazer parte de sua vida através da convivência com seus colegas do Instituto de Educação: Jorge, Márcio, Luiz Henrique, Marcelo e outros que não lembro mais. Começa a fase Stairway to heaven, depois veio a paixão pelo dodecafonismo, influenciado por Arrigo Barnabé, o rock and roll, as tardes de sábado assistindo o mestre Abelardo Barbosa e os Thundercats. O jovem José decide-se pelo contrabaixo. Nessa fase, arriscamo-nos no dodecafonismo com a interminável música Elvira, a que se vira pra se sustentar. Começam as aulas de contrabaixo com baixistas da cena local, as aulas na escolinha da OSPA. É mais ou menos nessa época que a Chácara das Pedras começou a sua fase de consolidação em bairro de elite, o adeus a velhos amigos espantados para a periferia que mudava para mais além. Começaram novos contatos, novas amizades. Vai morar no bairro o casal Ralfinho e Terezinha que recebem a visita de seus muitos amigos: Léo, Baca, Gustavo, Henry, Mendel, Sidnei e tantos outros, de gostos musicais variados. Todos esses amigos novos - menos a Terezinha - tocavam algum instrumento. Havia um quartinho no fundo da casa deles em que foi montado um precário, mas eficiente, estúdio de ensaio. Por ali passaram muitos músicos que encheram de música as manhãs, tardes, noites e madrugadas da chacrinha. Lá, tocavam de Jeff Beck, Frevo, MPB, Pink Floyd a outros rocks mais, sem discriminação. Ali também passavam muitas cantoras e promessas de cantoras e foi dai que veio o primeiro show do jovem Zé no Clube de Cultura, acompanhando Luciana Costa. A platéia lotada de amigos orgulhosos, afinal ali estava um representante legítimo da antiga chacrinha, a prova viva de que tudo era possível a eles também, sem se descuidarem de num momento ou outro soltarem um grito: Zé mulher. Bordão esse que acompanhou o saidinho e ex -franzino até boa parte dos shows de sua banda os Good-byes. Banda com fortes influências do reggae e do pop. Sérgio no vocal, Léo na guitarra, Zé no baixo e Fernando na bateria, mantêm a banda até hoje, embora por bem tenham entendido que o primeiro nome escolhido deveria ser alterado. Encontro-me aqui, assistindo não o desenrolar de uma trama de fórmula inalterada e guiada pelos altos índices de audiência, mas a vitória da vontade da determinação de uma história real e como todas elas imprevisíveis, estou assistindo a tomada de assalto do capítulo de segunda feira, 14 de agosto, de Páginas da Vida, por Zé e seu grupo os Papas da Língua. Assisto mais uma grande página na vida, com um orgulho indescritível e gritando para mim como nos velhos tempos: Zé mulher!!!!