sexta-feira, março 16, 2007

Histórias de Babel : Maria Alice, amor e esperança.


Alice tinha quatro anos quando entrou na creche, por incrível que pareça, as muitas possibilidades de amiguinhos fizeram que ela pouco ou nada se importasse com a ausência dos pais em seu primeiro dia. Sua vida social até então se restringia a sua casa, um mundo particular repleto de bonecas e bonecos princesas e príncipes e uns dois ou três sapos por garantia, a casa dos avós e tios e a raras idas à praçinha, onde, enfim, tinha uma vida social mais indicada a alguém de sua idade. Filha de pais com prazo de fertilidade vencendo, encontrou somente adulto e adolescente na família. A creche surgiu como promessa de círculo social e treinamento de sociabilidade e outras brincadeiras mais. Já na primeira semana, prestou atenção em um menino diferente e experimentou uma sensação não vivida até então, Inácio tinha sempre os cabelos em desalinho, as roupas ao fim do turno como se tivessem sobrevivido ao front da primeira grande guerra, um resto de coriza seca ora numa narina ora em outra. Alice custou a vencer a timidez, sua falta de tato para com as crianças e com sabe-se lá o que mais prendia seu corpo a um lugar em discordância com as ordens do cérebro. Sua tentativa de aproximação rendeu-lhe um chute certeiro na canela. Enquanto ela observou, foi observada, quando Pablo aproxima-se de Alice encantado com a nova colega é atencioso e meigo. E foi a vez então de Alice, por falta de interesse, descarregar-lhe um potente chute. Sabe-se lá em que momento e em que circunstância Alice conheceu Inhonho, um menino não tão atraente como o primeiro e nem tão universal como o segundo e acaba por estabelecer laços.

Alice - As joaninhas, as joaninhas.

Inhonho - Powerangers força animal! Mata ele, mata-ele...

Veio a primeira série, a segunda, o secundário, a universidade, e sempre mais do mesmo, apesar de poucos, mas diferentes protagonistas.

A preocupação com o passar do tempo levou Alice a ter uma conversa-desabafo com uma amiga e fazer-lhe perguntas como se a mesma fosse um oráculo - Porque é tão difícil? Eu nem quero tanto, mas onde andam os homens sensíveis, educados, gentis, elegantes, estilo marcante, cheirosos, compreensivos, carinhosos, conhecedores de tantra, Shiatsu, filosofia oriental, Fernado Pessoa, apreciadores de vinhos, cinema europeu, que gostem de Vitor Ramil, Chet Baker, Gardel, Gotham Project, Paulinho da Viola, Chico Buarque, Zeca Pagodinho, Zeca Baleiro, Ben Harper.... falem espanhol e não sejam gays?

Alice já era título de romance. Era mulher com mais de trinta quando reencontra Inácio, sua primeira paixão, e percebe que ele ainda levava consigo seu jeito de menino-problema, aquele jeitinho de rock and roll. Conversam, relembrando a creche, os chutes que ele lhe desferiu, blábláblá. E muita conversa, depois de coisas em comum e muitas não, começam a sair e inevitavelmente o sensor de incompatibilidade apita e para estar em desacordo estabelecem relações. Ao acordar ao seu lado ela lhe olha docemente e pergunta:

Alice - A serenidade do amor influi?

Inácio - Linha de cinco, isso, esses varzeanos jogam com uma linha de cinco no meio!!!

Alice passou a vida se guardando para o príncipe encantado. Mas o tempo é breve e de nada adiantou economizar a vida para gastar em abundância com seu príncipe. Vida em homeopatia dá câncer. A morte, traiçoeira e brincalhona como irmã siamesa da vida que é, pegou um atalho e Alice morreu sem descobrir em vida quem era ou onde estava ele. Mas o sorriso no canto da boca enrijecida no leito de morte fez a amiga pensar que, enfim no inferno, Alice encontrou no chefe local o príncipe que povôo seus sonhos e que a persuadia continuar a busca. E o inferno era o próprio céu perto da vida de busca eterna.

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